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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Função e Identidade do Agente Penitenciário


FONTE: MONOGRAFIA - (parte 3 e 3.1)
IDENTIDADE DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS DO ESTADO DO CEARÁ: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS OCORRIDOS INTRA E EXTRAMUROS E AS POSSIBILIDADES DE ASCENSÃO COGNITIVA

FUNÇÃO E IDENTIDADE DO AGENTE PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ

Agentes penitenciários são servidores públicos responsáveis pela manutenção, fiscalização, segurança e disciplina nos estabelecimentos prisionais, encarregados de movimentar toda a dinâmica interna que envolve a população reclusa, bem como, são eles os executores do primeiro contato dessa pessoa com as possibilidades de reinserção social. Trata-se de uma função intrínseca do universo carcerário, capaz por si só de caracterizar esse ambiente.

Sua função é a de assegurar que nada ocorra em violação às regras da prisão, sejam as disciplinares ou as de segurança. Seu trabalho é essencialmente preventivo: ele deve manter-se atento e ser capaz de detectar e interpretar corretamente indícios de perturbação da ordem ou de ameaças à segurança. Isso requer o domínio de um saber que é essencialmente prático em sua origem: não está codificado, é intransmissível por métodos formais e de difícil reprodução em curto prazo (COELHO, 2005, p.97).

A inserção do cenário prisão remete imediatamente a pensamentos cujas expressões reportam a confinamento, vigilância, cerceamento, regramentos, privações, pessoas presas; vocábulos formadores de um dos lados da “moeda”, cujo outro protagonista, não menos importante e institucionalmente atuante, são os agentes penitenciários, unidos por um antagonismo que os norteiam cotidianamente. Para Coelho (2005, p.29) “O confinamento e o regime de vigilância ao qual está submetido o interno, estimulam-no a arquitetar uma infinidade de fórmulas para burlar os regulamentos da prisão e infernizar a vida do guarda”.

Analisada de forma conceitual faz-se necessário compreender a função do agente penitenciário a partir de um breve contexto histórico. Inicialmente, há que se verificar que se trata de uma das funções mais antigas da humanidade: cuidar, vigiar e aplicar punições àqueles que violassem a tranquilidade social era tarefa atribuída ao funcionário inicialmente conhecido pela nomenclatura de carrasco, posteriormente carcereiro, guarda de prisão, guarda de presídio e atualmente agente penitenciário.

Atividade frequentemente associada à prática de maus tratos e torturas, trouxe em seu arcabouço a sobrecarga de um pensamento vislumbrado por um inveterado com capuz, malvado e sanguinário somado à exclusão originada através do vínculo com o encarceramento.

[...] e como as funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um ‘fecho’ ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a frequência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo-se no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração (FOUCAULT, 1999, p.13).

Ao longo dos tempos, a mudança dos suplícios do corpo ao encarceramento do criminoso, no que se refere à punição, fez também com que a trajetória percorrida dos encargos da função de agente penitenciário desde a época do carrasco, passasse a aglutinar em suas atribuições não mais apenas a função de vigilância e punição, mas também a de resgate e recolocação da pessoa reclusa à sociedade.

Ressalte-se que até os dias atuais, não há uma forma homogênea ou explicitada referente à execução da tarefa específica de recuperação da pessoa reclusa, que possa efetivamente proporcionar ao agente penitenciário o êxito nessa finalidade de reinserção social desse encarcerado, o que acaba por acentuar sobremaneira a ênfase funcional aplicada à vigilância nesses locais.

Essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua ‘humanidade’. Chegará o dia, no século XIX, em que esse ‘homem’, descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e de práticas estranhas (FOUCAULT, 1999, p.95).

Poucos são os documentos existentes que demonstram a evolução histórica dos agentes penitenciários referentes à sua função e identidade.

Lopes (1998, online) assegura que o primeiro documento que relata de forma mais direcionada a função do guarda de presídio é o Decreto nº 3.706, de 29 de abril de 1924 que continha critérios inerente, tais como idade mínima de 21 anos e máxima de 45, ter bons antecedentes, ser brasileiro e gozar de boa saúde. A seleção era feita pelo diretor do estabelecimento prisional. Sobre as características próprias, ressalta que comumente os guardas de prisões tinham sido levados àquela condição por estarem sem emprego ou por já existir na família alguém pertencente ao grupo.

Ainda sobre os aspectos históricos associados à função, Moraes (2005) expressa que devido à proximidade funcional com os reclusos de liberdade cotidianamente, os agentes penitenciários deveriam ocupar relevante posição na provável atividade de reinserção social, porém ao contrário, o que ocorre é uma grande mudez e desinteresse em pesquisar esses profissionais que, quase sempre quando aparecem, acabam por ser sempre relegados à posição desprivilegiada no universo carcerário, como componentes a serem remodelados.

Não obstante as rápidas menções aos agentes penitenciários, nos momentos em que eles são citados, aparecem sempre como um importante grupo no que diz respeito à dinâmica do sistema penitenciário. Aliás, em todos os processos de reforma penal, os agentes penitenciários aparecem como um dos elementos a serem modificados e apontados como exemplos a não serem seguidos (MORAES, 2005, p.52).

No Ceará, os agentes penitenciários são os responsáveis por exercer a segurança e o disciplinamento interno e externo das unidades prisionais. Porém, ainda há uma marcante presença da Instituição Polícia Militar, especialmente, nas portarias e muralhas dos estabelecimentos, bem como na condução externa dos detentos. O Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Ceará revisado e publicado no DOECE, de 16 de dezembro de 2014 estabelece que:

Art. 17 Nas unidades elencadas no artigo 6º deste Regimento, respeitadas suas especificidades, deverão ainda ser respeitadas as seguintes determinações: I - Segurança externa, através de muralha com passadiço e guaritas de responsabilidade dos Agentes Penitenciários do quadro efetivo da Secretaria da Justiça e Cidadania, submetidos a uma capacitação específica para tal finalidade. II - Segurança interna realizada por equipe de Agentes Penitenciários do quadro efetivo da Secretaria da Justiça e Cidadania que preserve os direitos do preso mantenha a Segurança, a ordem e a disciplina da Unidade.

Os agentes penitenciários desempenham ainda, a incumbência de assistir, orientar e reinserir o encarcerado ao convívio social ou pelo menos oportunizá-lo a essa prática através da dinamização intramuros realizada cotidianamente.

A categoria desses servidores não está incluída dentre as que compõem a Segurança Pública do Estado, todavia contribui efetivamente com a tarefa de manutenção da segurança da sociedade, quando assegura a adequada permanência daqueles que tiveram suas liberdades cerceadas como consequência do cometimento de delitos.

No Estado, a Lei nº 14.582, de 21 de dezembro de 2009, alterada pela Lei nº 14.966 de 13 de julho de 2011, criou a Carreira de Segurança Penitenciária, estabelecendo como suas atribuições o atendimento, a vigilância, a custódia, a guarda, a escolta, a assistência e a orientação de pessoas recolhidas aos estabelecimentos prisionais do Estado do Ceará (2014, online).

Art. 1º A carreira Guarda Penitenciária, integrante do Grupo Ocupacional Atividades de Apoio Administrativo e Operacional, prevista no item 2, do anexo I, da Lei nº 12.386 de 09 de dezembro de 1994, fica redenominada para carreira Segurança Penitenciária e estruturada na forma do anexo I desta Lei, passando os Agentes Penitenciários a ter as seguintes atribuições: atendimento, vigilância, custódia, guarda, escolta, assistência e orientação de pessoas recolhidas aos estabelecimentos penais estaduais.

Ideal ressaltar que os agentes penitenciários ocupam lugar no quadro de servidores da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado e, para ingressarem na carreira, devem ser aprovados em concurso público de provas, necessitando para a aprovação no certame, de resultado satisfatório em seis etapas constantes de duas fases explicitadas no edital Nº 29/2011 – SEPLAG/SEJUS para o provimento do cargo de agente penitenciário, último concurso público realizado:

2.7 O Concurso Público de que trata este Edital constará de 02 (duas) Fases, sucessivas, abaixo discriminadas: 2.7.1 Primeira Fase que constará da Prova Escrita de Conhecimentos, com questões objetivas de múltipla escolha, de caráter eliminatório e classificatório, para mensurar os conhecimentos gerais e específicos dos candidatos; 2.7.2 Segunda Fase que constará das cinco etapas seguintes: 2.7.2.1 Inspeção de Saúde, de caráter eliminatório que compreenderá exames médico, odontológico e toxicológico, conforme critérios estabelecidos neste Edital; 2.7.2.2 Curso de Formação Profissional, de caráter classificatório e eliminatório de acordo com critérios estabelecidos neste Edital; 2.7.2.3 Avaliação de Capacidade Física, de caráter apenas eliminatório e pertinente ao exercício do cargo público objeto deste Concurso será aplicada por comissão formada de pessoal técnico (árbitros credenciados e pessoal treinado) para os registros das marcas dos candidatos e coordenada por profissionais graduados em Educação Física, que tenham registros no Conselho Regional de Educação Física; 2.7.2.4 Avaliação Psicológica, de caráter apenas eliminatório, deverá ser realizada mediante o uso de instrumentos capazes de aferir, de forma objetiva e padronizada, os atributos psicológicos do candidato para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo de Agente Penitenciário, mediante testes aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia. 2.7.2.5 Investigação Social e Funcional, de caráter eliminatório, objetiva avaliar o candidato quanto ao seu procedimento e sua idoneidade moral que devem ser respectivamente irrepreensível e inatacável, requisitos essenciais ao ingresso na carreira de Segurança Penitenciária.

A formação educacional mínima exigida é o ensino médio completo, sendo indispensável a comprovação de conduta ilibada. A efetivação funcional somente se dá, após um período de estágio probatório compreendido por três anos, estando a categoria sob fiscalização permanente da Controladoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública e do Sistema Penitenciário do Estado, conforme estabelecido na Lei Complementar nº 98, de 13 de junho de 2011, DOE de 20/06/2011:

Art. 1º Fica criada, no âmbito da Administração Direta do Poder Executivo Estadual, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Estado do Ceará, com autonomia administrativa e financeira, com a competência para realizar, requisitar e avocar sindicâncias e processos administrativos para apurar a responsabilidade disciplinar dos servidores integrantes do grupo de atividade de polícia judiciária, policiais militares, bombeiros militares e agentes penitenciários, visando ao incremento da transparência da gestão governamental, ao combate à corrupção e ao abuso no exercício da atividade policial ou de segurança penitenciária, buscando uma maior eficiência dos serviços policiais e de segurança penitenciária, prestados à sociedade.

Mencione-se, que a temática que envolve a categoria dos agentes penitenciários é pouco explorada pelo público acadêmico, pelo caráter singular e reconhecidamente de difícil acesso. Mesmo diante de vários enfoques sobre o sistema penitenciário, pouco se observa sobre literaturas que abordem os “profissionais do cárcere”, mesmo estando eles sempre ativos no dia a dia das prisões.

No Ceará, essa realidade é ainda mais enfática, não sendo encontradas pesquisas científicas que se debrucem sobre a especificidade peculiar dessa tão importante função, nem relatos sobre sua historicidade e evolução, porém comprovadamente trata-se de uma categoria moderadamente incipiente e pouco numerosa, especialmente quando contrapomos ao número de reclusos existentes no Estado.

Conforme a Secretaria da Justiça e Cidadania (NOVOS..., 2014, online) no ano de 2007, o número de agentes penitenciários era de 252 e ao final de 2014, com a convocação dos candidatos aprovados em concurso público através do edital 010/2013, de 07 de fevereiro de 2013, esse número atingiu o patamar de 2.178 servidores.

3.1. Localização na estrutura do Sistema Carcerário

Sobre o pessoal penitenciário, disciplinam as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos da Organização das Nações Unidas- ONU (1977, online), a necessidade de seleção criteriosa daqueles que labutam no interior das prisões, por depender efetivamente deles o êxito da gestão penitenciária, bem como reconhecem também, a dificuldade existente na realização desse mister ao classificar como “penosa” a natureza do trabalho realizado intramuros.

Importante ainda ressaltar, que dentre as orientações referidas nas supracitadas regras, àquelas que norteiam a função do diretor do estabelecimento, amparam e direcionam a ocupação desses cargos por servidores penitenciários capacitados e experientes:

50.1 O diretor do estabelecimento deve ser bem qualificado para a sua função, quer pelo seu caráter, quer pelas suas competências administrativas, formação e experiência. 2. Deve exercer a sua função oficial a tempo inteiro. 3. Deve residir no estabelecimento ou nas imediações deste. 4. Quando dois ou mais estabelecimentos estejam sob a autoridade de um único diretor, este deve visitar ambos com frequência. Em cada um dos estabelecimentos deve haver um funcionário responsável.

Previsão semelhante verifica-se no artigo 75, incisos I a III da Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal em nosso Ordenamento pátrio, sobre o disciplinamento específico da formação necessária para a ocupação do cargo de diretor:

Art. 75 O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá satisfazer os seguintes requisitos:

I - Ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia ou Serviços Sociais; II – possuir experiência administrativa na área; III – ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função (KUEHNE, 2010, p.230-231).

Pertinente ao assunto, o Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Ceará (2014, online) demonstra a preferência para ocupação em cargos de diretor de estabelecimento carcerário por servidores de carreira, bem como àqueles vocacionados e com preparação específica:

Art. 20 O (a) ocupante do cargo de diretor(a) de Unidade Prisional, escolhido preferencialmente entre os servidores de carreira da Secretaria de Justiça e Cidadania, com atenção à sua vocação e preparação profissional específica, deverá satisfazer os seguintes requisitos: I - ser portador(a) de diploma de nível superior em Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia, ou Serviços Sociais; II - possuir experiência administrativa na área; III - ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função.

A estrutura organizacional e o regulamento da Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (SEJUS) foram alterados pelo Decreto nº 31.419, de 24 de fevereiro de 2014, cujo teor disciplina as competências e os desdobramentos desta Pasta governamental, organizada e disciplinada para atuar em duas vertentes: a primeira direcionada à cidadania, cuja principal missão é garantir as políticas de direitos humanos aos cidadãos; e a segunda voltada à execução penal e à reinserção social dos reclusos de liberdade. O objeto central, porém, dessa pesquisa são os servidores penitenciários, cuja localização na referida estrutura é a Coordenadoria do Sistema Penal-Cosipe.

Art.2º A Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) tem como missão promover e garantir as políticas de direitos humanos, a execução penal e sua função social em parceria com a sociedade e demais instituições governamentais, competindo-lhe: I - executar a manutenção, supervisão, coordenação, controle, segurança, inteligência e administração do Sistema Penitenciário e o que se referir ao cumprimento das penas; II - promover o pleno exercício da cidadania e a defesa dos direitos inalienáveis da pessoa humana, através da ação integrada entre o Governo Estadual e a sociedade, competindo-lhe zelar pelo livre exercício dos poderes constituídos;

O Sistema Penitenciário Cearense é regulado pela Cosipe, órgão descentralizado e hierarquicamente vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania, que dirige os agentes penitenciários através do Núcleo de Segurança e Disciplina (Nused) e das Células Regionais do Sistema Penal Norte (CRSPN) e do Sistema Penal Sul (CRSPS).

Concernente à estrutura organizacional, o Sistema Carcerário Estadual através da Cosipe é constituído pelos seguintes estabelecimentos, conforme preconiza o Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado (2014, online): I Centro de Triagem e Observação Criminológica; II – Unidades Prisionais e Casas de Privação Provisória de Liberdade; III – Penitenciárias; IV - Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares; V - Complexo Hospitalar (Hospital Geral e Sanatório Penal e Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico); VI - Casas do Albergado; VII - Cadeias Públicas.

Art.2º - O Sistema Penitenciário do Estado do Ceará tem como finalidade a vigilância, custódia e assistência aos presos e às pessoas sujeitas a medidas de segurança, assegurando-lhes a preservação da integridade física e moral, a promoção de medidas de integração e reintegração socioeducativas, conjugadas ao trabalho produtivo (REGIMENTO Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Ceará, 2014, online).

Os agentes penitenciários formam a espinha dorsal do sistema carcerário estadual, compreendendo nos estabelecimentos prisionais as seguintes atividades: grupo operacional composto por quatro equipes plantonistas que se revezam em escalas de serviço de 24 horas de trabalho por 72 de descanso em atendimento diuturno aos presos. As equipes são organizadas e dispostas ordenadamente por letras, de maneira uniforme em todo o Estado: equipes A, B, C e D, com a orientação de um chefe do plantão em cada grupo.

Diariamente existe a figura do chefe de segurança e disciplina, que é o responsável pela fiscalização das equipes e por traçar o plano de segurança da unidade. Fazem parte da direção do estabelecimento, o diretor adjunto e o diretor geral, responsáveis pela coordenação de todas as atividades que envolvem a massa carcerária, os servidores, os colaboradores e visitantes daquele ergástulo. Existe ainda o gerente administrativo, responsável pela limpeza e manutenção do prédio. Todos os cargos comissionados elencados, de acordo com o Regimento devem ser exercidos preferencialmente por servidor de carreira da Sejus.

Art.18 - As Unidades Prisionais do Estado do Ceará serão dirigidas por um (a) Diretor (a), que será assessorado pelo (a) Diretor (a). Adjunto (a), pelo Gerente Administrativo, pelo Chefe de Segurança e Disciplina e pelo Chefe de Equipe dos Agentes Penitenciários, sendo ainda integradas pelo Conselho Disciplinar e pela Comissão Técnica de Classificação (REGIMENTO Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Ceará, online, 2014).

Dentro dessa dinâmica, Chies (2008) aduz que esse modelo de gestão que busca no interior de sua estrutura funcional ocupantes da administração dentre os servidores penitenciários, tende a solucionar a problemática no que tange ao conhecimento empírico para a realização das tarefas cotidianamente executáveis, porém, nascem a partir daí também outros impasses.

A Lei de Execução Penal em seus artigos 76, 77 e parágrafos (KUEHNE, 2010, p. 235-238), determina a organização diferenciada das categorias funcionais na estrutura organizacional dos estabelecimentos prisionais, bem como estabelece a observação à idoneidade moral, vocação e capacitação profissional:

Art.76. O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em diferentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabelecimento e às demais funções. Art. 77 A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato. § 1° O ingresso do pessoal penitenciário, bem como a progressão ou a ascensão funcional dependerão de cursos específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício. § 2º No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado.

Infere, ainda, Chies (2008) que o fato de serem os cargos preenchidos através de indicações sob o critério de confiança, remontam a transitoriedade dependente da eletividade política, o que acaba por deixar esse profissional em posição medial com os demais grupos existentes, pois, sabedores que em dado momento voltarão aos corredores para o convívio direto com os reclusos, bem como poderão se encontrar em posições invertidas hierarquicamente dentro da classe que ocupam, acabam por empregar uma postura permissiva.

No Ceará, não há literaturas ou mesmo documentos públicos que apontem essa transigência por parte da administração carcerária comissionada, mesmo porque não existe quase nenhum referencial teórico referente à totalidade do tema proposto nesta pesquisa em nível estadual.

Através do conhecimento experimental, todavia, percebem-se não raros os comentários e reivindicações tangentes ao comodismo e à falta de posicionamento claro dos agentes penitenciários que ocupam cargos de Direção e Assessoramento na Secretaria da Justiça e Cidadania, ou seja, aqueles que detêm o conhecimento das prisões de forma familiarizada, porém institucionalizada, que deveriam realizar um trabalho que efetivamente pudesse contribuir para a construção de um sistema penitenciário mais justo, tanto para os internos como para os servidores, acabam negligenciando esse “poder” por questões burocráticas, políticas ou particulares.

Para Chies (2008), por outro lado, buscar externamente ao corpo institucional prisional, pessoas com a finalidade de compor a gestão administrativa dos estabelecimentos, ao passo que podem esses estrangeiros ter menor dificuldade em cumprir as designações organizacionais estabelecidas em relação aos demais grupos existentes, incorrem em outros obstáculos advindos de sua natureza extrínseca, tais como a insciência dos assuntos relacionados à execução prisional, o que acarreta por vezes condutas abusivas ou negociais referentes àqueles que são conhecedores do sistema, qual seja os agentes penitenciários.

Finalmente, o guarda compartilha com os presos a opinião de que as direções de estabelecimento são incompetentes, e é inevitável que comparem o seu próprio saber prático, acumulado em anos de convivência com a massa carcerária, com a ‘ingenuidade’ dos que creem nos resultados positivos da tolerância, da benevolência, da flexibilidade (COELHO, 2005, p.155).

Convém destacar, que compõem também a estrutura prisional funcionários contratados por empresas terceirizadas, prestadoras de serviço do Estado para atuarem nos seguintes setores: setor administrativo encarregados da organização dos prontuários e demais documentos existentes; enfermaria composta por médico, enfermeiro, farmacêutico, dentista e técnicos de enfermagem; equipe multidisciplinar formada por psicólogo, assistente social, advogado e defensor público. Importante mencionar, que o número desses profissionais por localidade carcerária, também está aquém do adequado para satisfazer toda a demanda.

O modelo de gestão adotado atualmente no Estado, não difere em proporções daquele visualizado em todo o País, a superpopulação carcerária aliada à precariedade nas condições de trabalho e o ínfimo efetivo de servidores e funcionários são suscitações frequentes nos corredores das unidades prisionais, demonstrando insatisfações e descontentamentos por parte de todos os envolvidos.

[...] no ambiente penitenciário o sistema formal e burocrático de controle é estruturalmente falho, pois estão inseridos no contexto outros fatores como: o não necessário reconhecimento, por parte dos apenados, de legitimidade nas ações e regras dos seus carcereiros e do sistema burocrático que representam; a falhabilidade do sistema para possíveis arbitrariedades, ataques e vinganças -inclusive vitimando agentes penitenciários em situações de rebeliões e motins- (CHIES, 2008, p.64).

O Ceará possui a segunda maior população carcerária do Nordeste (POPULAÇÃO..., 2015, online), conforme relatório do Infopen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias) do Ministério da Justiça, com um total de 21.789 presos.

Diante de dados como esses, tarefas como garantia de segurança, ordem e reinserção social tornam-se atividades utópicas. Para Coelho (2005, p.64), “De forma análoga a uma recomendação médica que proibisse de correr a um paciente sem suas pernas, várias prescrições e normas do Regulamento seriam mera crueldade ou zombaria se não fossem antes fruto do irrealismo do legislador”.

Polo sensível nesse sentido é o que se refere aos Agentes Penitenciários que, como grupo de funcionários da burocracia carcerária, encontra-se na “linha de frente” dos antagonismos e contradições da instituição. Essa expectativa e imputação incongruente de papéis é correlata de imputações sancionatórias de responsabilidade e tende a ocasionar o efeito de domínio de um objetivo organizacional sobre o outro (CHIES, 2008, p.62).

Para o agente penitenciário local, garantir a segurança e a ordem com desdobramentos voltados à reinserção social da massa carcerária já é tarefa por si só controversa e de difícil alcance, ademais quando aliada à realidade atual, torna-se deveras traumática, frustrante e aflitiva para esse trabalhador. Chies (2008) conclui que os objetivos propostos às prisões cujas finalidades são castigar e resgatar seja uma missão inverossímil, quiçá inexequível de acontecer dentro do ambiente carcerário.

[...] o agente (de segurança penitenciária) continua sendo aquele que vigia os excluídos, que atua na ponta do sistema ordenador, aplicando punições e corrigindo as inadequações dos insubmissos e que se utiliza de todos os mecanismos possíveis para manter a disciplina (LOPES, 1998, p.52 apud LOURENÇO, 2010, P.44).

Considerando as características anteriormente mencionadas, direcionadas à função dos agentes penitenciários, adequado se faz mencionar a necessidade de adaptação rápida às normas do estabelecimento, bem como a conduta reiterada, internalizada pela população reclusa, cujas peculiaridades próprias englobam códigos, costumes e linguagem específica, processo conhecido como prisionalização.

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