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"Acho que finalmente me dei conta que o que você faz com a sua vida é somente metade da equação. A outra metade, a metade mais importante na verdade, é com quem está quando está fazendo isso."

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Parceria com poder público, mesmo sem custo, requer cuidado e transparência


Há mais de dez anos, não sei precisar a data, eclodia um dos muitos escândalos ligados aos programas de transferências de renda do Estado. Naquela oportunidade, uma auditoria demonstrara a existência de inconsistências que permitiam a uma mesma pessoa receber mais de um benefício, afrontando a lógica do programa e também a ética que se espera de um cidadão de bem.

Um amigo, grande empresário, me contou de sua revolta com a situação e de sua disposição em contribuir. Contou-me que um dos muitos serviços que sua empresa de tecnologia prestava era justamente identificar, de forma rápida e segura, essas inconsistências ligadas à existência de muitos cadastros de uma só pessoa. Disse-me que queria prestar esse serviço gratuitamente para o governo, disponibilizando as ferramentas de sua empresa. A disposição foi desaparecendo na medida em que eu lhe explicava os meandros da licitação, as diferenças entre gestão privada e gestão pública e, especificamente, a dificuldade em implementar sua boa ação para o interesse público.

Esse fato me veio à mente ao tomar conhecimento das “parcerias a custo zero” implementadas pelo prefeito de São Paulo no primeiro mês de sua gestão[1]. Recuperação de monumentos, limpeza de espaços públicos e manutenção de equipamentos estão sendo feitos, segundo as notícias, por meio de empresas que não exigem qualquer contrapartida além de um agradecimento público. A reportagem citada expressa preocupação com os eventuais conflitos de interesses — públicos e privados — latentes nesses processos.

Em um cenário de crise econômica e excesso de demandas, a busca por modelos jurídicos advindos do setor privado é sempre uma alternativa buscada para reforçar os combalidos cofres públicos e atender às questões urgentes. Não custa destacar que não se trata de parcerias público-privadas (as conhecidas PPPs) regidas pela Lei 11.079/2004.

É preciso relembrar que as relações jurídicas regidas pelo direito público sofrem efeitos jurídicos da incidência de princípios distintos. Nesse particular, os princípios da isonomia, interesse público, moralidade e eficiência demonstram força ao delinearem as “feições” da relação jurídica. Esses princípios espraiam seus efeitos, em graus variados, nos diversos institutos jurídicos manejados pelo Estado-Administração.

Na clássica lição de Cirne Lima, relação de Administração Pública é aquela que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente. Arremata o mestre, em conhecida e repetida citação: “Na Administração, o dever e a finalidade são predominantes; no domínio, a vontade”. O regime jurídico dos bens públicos não admite autonomia de vontade, predominante nas relações jurídicas privadas. Por essa razão, é importante asseverar que os bens do Estado devem servir à proteção e promoção de diversos fins públicos, socialmente relevantes. Para além da mera titularidade, avulta a importância da funcionalização da propriedade, como bem explica Floriano de Azevedo Marques Neto[2]. Ao tratar de questão específica, cessão onerosa do direito à denominação de bens públicos (namins rights), anota Marçal Justen Filho:

“O Estado necessita de recursos vultosos para assegurar a promoção dos direitos fundamentais. Isso conduz à exacerbação da tributação, à ampliação dos serviços públicos e à utilização de todas as oportunidades econômicas para aumentar a arrecadação estatal.Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade de o Estado dar aproveitamento mais adequado para um conjunto de bens públicos que permanecem ociosos. Não se trata de promover a pura e simples alienação dos bens públicos não utilizados formalmente para satisfação de necessidades coletivas. O que se reconhece é o dever de o Estado buscar soluções racionais para o seu patrimônio, extraindo dele as receitas possíveis. Essa concepção não equivale a desnaturar o patrimônio público, mas a aproveitar oportunidades propiciadas pela ampliação da complexidade do sistema econômico”[3].

A exploração econômica dos bens públicos, desta forma, passa a se constituir um imperativo decorrente da identificação e atendimento de suas finalidades públicas. A busca de parceiros para causas socialmente relevante é prática disseminada no ambiente privado. A filantropia, por meio da destinação de bens e recursos particulares para entidades sem finalidades econômicas, beneficia instituições como hospitais, museus e universidades que, geralmente, identificam publicamente seus benfeitores como forma de agradecimento. No que nos interessa mais diretamente, a doação de bens e serviços voltados à preservação e melhora do espaço público deve obedecer às regras e princípios do direito público.

A doação sem qualquer tipo de encargo ao poder público é livre. Desta forma, quando não há qualquer tipo de contraprestação que se reverta em vantagem (sobretudo econômica) para o doador ou terceiro não há necessidade de qualquer tipo de procedimento seletivo em razão da inviabilidade de competição.

O mesmo não ocorre quando se trata de doações com cláusulas ou encargos. De acordo com o artigo 17, parágrafo 4º da Lei 8.666/1993, “a doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado”. A regra se destina primeiramente às situações nas quais a Administração é doadora, mas devem ser aplicadas também quando o particular doa algo para o Estado. Quando há algum tipo de encargo, a Administração deve buscar o menor encargo possível como contrapartida para a doação. Trata-se de decorrência direta do princípio da isonomia: em havendo alguma contrapartida, todos os eventuais interessados têm o direito de concorrer a ela.

Essa a razão de não se admitir, por exemplo, doação mediante contrapartida em publicidade no bem ou espaço público. Se há alguma vantagem econômica a ser auferida como contrapartida, é necessário licitar. Diversas empresas podem ter interesse em expor suas marcas em espaços públicos, por exemplo, em troca da manutenção desses mesmos espaços ou doação de serviços para tanto. O formalismo em defesa da finalidade pública não pode chegar ao ponto de impedir, por exemplo, a entrega de uma placa de agradecimento ou mesmo a exposição de lista com os nomes dos benfeitores. Isso ocorre não só pelo fato de que a contrapartida que deve ser objeto de competição é sobretudo economicamente mensurável como também pela ausência de restrição a outros doadores interessados.

Admitindo-se a possibilidade de que o Estado receba doações, inclusive com encargo, é importante que se crie um procedimento transparente, finalisticamente motivado e isonômico. É possível imaginar diversas formas (chamamento público, por exemplo) de permitir e incentivar as doações de particulares, respeitando as normas aplicáveis. É essencial que sejam investigados com cautela os bens e espaços públicos que possam ser atingidos, suas vocações essencial e acessória e como o particular pode contribuir. O estabelecimento, por norma, de um programa para o estímulo de parcerias, com regras claras e adequadas, é uma possibilidade que não pode ser desperdiçada no atual cenário.

[1]http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/27/politica/1485535431_463009.html?id_externo_rsoc=TW_CC
[2] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens públicos: função social e exploração econômica: o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação. Revista de Direito Público da Economia - RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, abr./jun. 2010. A respeito do tema, consulte-se também a dissertação de mestrado de Ana Lúcia Ikenaga, intitulada “A atribuição de nome como modo de exploração de bens públicos”(USP, 2012)

Fabrício Motta é procurador-geral do Ministério Público de Contas (TCM-GO) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG).

FONTE

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Doisélles


Raquell Guimarães tem um trabalho muito bonito: o slow fashion do tricô manual ganha valor na sua marca Doisélles. Uma roupa pode demorar 5 dias pra ser feita – luxo mesmo! Mas o melhor é a história por trás disso: a estilista usa sua produção como processo de reinserção social de presidiários, que ganham dinheiro e aprendem um novo ofício na Penitenciária Professor Ariosvaldo de Campos Pires, em Juiz de Fora. Pra esse desfile de estreia da marca, existem então essas duas necessidades: explicar essa trama por trás da roupa e também apresentar uma imagem de moda na passarela que seja condizente com a postura social dela.

Desde o início da marca, em 2009, Raquell sempre foi um caso à parte, avessa ao chamado “mundinho”. E aqui ela veste as modelos com coturnões, como se botasse o pé na porta pra conseguir impor o seu lado da história, e pede pro beauty artist Ricardo dos Anjos rabiscar a cara delas como se já avisasse: aqui é outra coisa. Na trilha, que mistura Criolo com textos falados pela própria Raquell, saem recados que respondem a comentários que a estilista já ouviu. A roupa não tem “a energia do crime que o detento cometeu”, por exemplo (e aliás, quem poderia falar algo desse naipe?!). Uma placa pendurada no local de trabalho, aliás, avisa: “O delito fica do lado de fora”. É muito intensa e preciosa a questão que a estilista faz de quebrar o preconceito contra a população carcerária no ambiente elitista de passarela – e dá pra perceber que Raquell não faz isso pela marca simplesmente, mas por eles, pela sua convicção neles.


As peças em si poderiam reafirmar a tendência agênero pela silhueta reta e a introdução da malharia em looks longilíneos (essas são novidades de presidiárias do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto), mas o styling de Mary Arantes vai pra outro lugar: a feminilidade é ressaltada com as tramas abertas, as franjas, o toque da lã; e ao mesmo tempo discute-se essa dualidade, esse “dois” que está no nome da marca e que também sugere que tudo tem dois lados. É uma apresentação com diversas camadas de significados, assim como a roupa em si.

E até no casting existe uma surpresa: a presença de Marcella Moreira, ganhadora do concurso Miss Prisional (que, sim, escolhe a presa mais bonita do Brasil e que é importante pra autoestima delas). Não se preocupe em reconhecê-la no meio das outras modelos do desfile, primeiro porque vai ser difícil (Marcella tem altura e porte semelhantes aos das colegas de passarela) e segundo porque nesse dia ela foi isso mesmo, mais uma modelo no meio das outras. Dá também pra encarar o fato como uma metáfora pra alteridade, pra empatia, pra conseguir se ver na pele do outro a fim de entendê-lo. Você consegue? (Jorge Wakabara).


"Sou uma tricoteira da Capitinga. Isso é o que sei fazer de melhor. O resto são prosalidades”, diz a designer juiz-forana Raquell Guimarães, que, mesmo depois de ter levado suas agulhas, pontos e nós para vários outros lugares do mundo, tem sua cidade natal como um “porto emocional”. “Não nasci no berço intelectual nem industrial de São Paulo, mas nasci no berço mineiro, barroco, na terra de Murilo Mendes e de tantas outras almas sensíveis, onde desde cedo nos ensinam a prestar atenção nos detalhes. Só quero viver a vida com serenidade e equilíbrio”, reflete. Pós-graduada em história da indumentária pelo Victoria and Albert Museum de Londres, a empresária, responsável pela grife Doisélles, comemora a aprovação na Lei Rouanet, do projeto “Flor de lótus”, desenvolvido há quatro anos na Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires. Para junho, com patrocínio dos Correios, ela planeja uma exposição, que será lançada em Juiz de Fora, mas que pode circular por outras paragens. “O público poderá ver como a arte socializa recuperandos e será surpreendido pela qualidade e capacidade do trabalho desses ‘novos artistas'”, diz, referindo-se aos 18 detentos/artesãos que cumprem a sentença em regime fechado, tendo como recompensa a redução da pena em um dia a cada três dedicados ao tricô e ao crochê. “Se não fossem ‘meus meninos’, eu só seria uma estilista. Caí na moda porque tudo que vejo, leio, sinto, cheiro e toco acaba virando tricô e crochê. Tricô é o que me compõe. É a minha forma de expressão.”

Livro
“Escritos autobiográficos, automáticos e de reflexão pessoal”, de Fernando Pessoa

“É meu oráculo”

Escritor
Rubem Fonseca

“Acho que o maior gênio da nossa literatura é o nosso conterrâneo, a quem tenho a máxima honra de chamar de meu amigo, Rubem Fonseca”

Cineasta
Woody Allen

“É criativo com o nosso estúpido cotidiano. Tem um texto divertido e reflexivo. Faz rir e pensar. Humor e filosofia na medida certa”

Cantora
Maria Bethânia

“Ela canta as coisas que eu sinto”

Museu
A casa de Anne Frank, em Amsterdã”

Não é um museu de arte, mas atravessar a parede de livros que levava ao anexo foi uma grande emoção para mim. Li ‘O diário de Anne Frank’ aos 13 anos, na sétima série, e foi incrível ver tudo pessoalmente”

Filme
“Dogville”, de Lars von Trier

“Amo o ser humano, mas tenho uma certa preguiça da forma como a sociedade está arranjada. O egoísmo é o câncer da humanidade. ‘Dogville’ deixa isso claro e traz uma mensagem que, embora angustiante e pessimista, é arrebatadora e muito bem elaborada”

Um designer
John Galliano

“É muito fácil acertar quando se pratica o minimalismo, pois as chances de erro caem por razões óbvias. Difícil é o maximalismo não cair no cafona. E John Galliano nunca deixou isso acontecer. Por mais exagerado, teatral e rebuscado que seja, consegue ser sempre preciso e irretocável”

Vídeo na internet
“A história da Páscoa”, disponível no YouTube

“Assisti e compartilhei recentemente esse vídeo de uma encenação da “Paixão de Cristo”, cujos atores não tinham mais de 5 aninhos. Tenho certeza que se, Jesus tivesse encomendado, seria exatamente daquele jeito. Ele sorriu do céu”

http://www.tribunademinas.com.br/cultura/vale-a-pena-1.1252830

FONTE

http://www.doiselles.com.br/blog/