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"Acho que finalmente me dei conta que o que você faz com a sua vida é somente metade da equação. A outra metade, a metade mais importante na verdade, é com quem está quando está fazendo isso."

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Doisélles


A Moda da Doisélles - Raquell é mineira. Aprendeu a tricotar com as avós quando ainda era criança. Cresceu transpondo para as lãs e agulha seus pensamentos e ideias. Apaixonada pela importância da roupa e influenciada pelas lembranças da infância e adolescência nas fabricas têxteis do pai e do avô, cursou faculdade de moda e decidiu abrir seu próprio negócio. Mas ao contrário de outras estilistas de sua geração, Raquell decidiu que tudo ali seria feito a mão.

Assim nasceu a Doisélles, com a consoante dobrada, como em seu próprio nome. De origem hebraica, a palavra Raquell quer dizer “ovelha”. Coincidência ou não, é do pelo desse animal que se baseia todo o seu trabalho e filosofia de vida. E as coincidências não param por aí. “É curioso pensar que a história de Raquell, a pastora de ovelhas, aparece na Bíblia no capítulo 1, versículo 29. Eu nasci justamente em 29 do mês 1″, conta.


Prendada e munida de muitos fios e agulhas, Raquell começou a trama da Doisélles misturando os ensinamentos milenares do crochê e tricô com as modelagens mais amplas e atuais que o novo século pede. “Nada de casaquinho da vovó com a cava no lugar e seis botões de pérolas: a nossa trama é metida a moderninha”, dispara.

Os fios que tecem as tramas de camisas, vestidos, cardigãs e casacos vêm de sobras têxteis que seriam descartadas. Separados por tons e texturas, os fios voltam à vida peça por peça, em um trabalho manual e exclusivo.

Mas a história da Doisélles não para por aí. A marca, que hoje já é exportada para diversos países, veste famosas e está presente em importantes galerias de moda pelo mundo, tem mais um detalhe: é feita com a ajuda de presidiários dentro de uma cadeia de segurança máxima.


Segundo Raquell, o motivo que a fez levar seu tricô para aquele ambiente beira o óbvio: “Quantas pessoas você conhece que sabem tricotar? Por ser uma coisa que mais ninguém aprende a fazer hoje em dia, eu precisava treinar pessoas para produzir comigo”, conta com uma naturalidade tipicamente mineira.

Ela precisava de mão de obra, eles precisavam de uma nova profissão. Com essa ideia na cabeça, Raquell entrou no presídio de segurança máxima com suas agulhas, tesouras e a esperança de que estava fazendo algo com sentido. Assim, ela treinou 40 homens condenados, que deixaram de lado a aparência bruta e se entregaram às cores e formas do tricô. “Vergonha eu tenho é de estar aqui”, diz um deles, traduzindo o que muitos companheiros de cela e de crochê também sentem.


A força de vontade e determinação dos presos surpreendeu a estilista. “A rapidez com que eles aprenderam os movimentos dos pontos básicos do tricô garantiu que, antes do tempo inicialmente previsto, já estivessem computando a produção e reduzindo a pena (cada três dias trabalhados garante um dia de remissão)”, diz.

Hoje a Doisélles tem uma unidade de produção dentro do pavilhão 1 da Penitenciária Professor Ariosvaldo De Campos Pires, onde 18 detentos condenados em regime fechado trabalham com excelência na produção de peças artesanais feitas com técnicas de tecelagem manual: tricô e crochê, que são inspecionadas por um rígido controle de qualidade tipo exportação.

Se esquivando de qualquer forma de pretensão, Raquell diz que sua ideia não é competir com o crime. “Quero (e já estou conseguindo) mudar o dia do sujeito enquanto cumpre sua pena, enquanto paga à sociedade qualquer que seja o dano que lhe causou. O maior valor de um homem é a liberdade. Quando ela lhe é tirada por falta de merecimento, o seu maior bem passa a ser o tempo. Portanto me parece óbvio que ocupar estas mãos e mentes com trabalho digno é um caminho firme na ajuda do maior princípio que inspira o cárcere: a recuperação”.


EcoDesenvolvimento: Você conta que aprendeu a fazer crochê e tricô muito cedo, com a sua família. Como a moda entrou nessa história?

Raquell Guimarães: Na faculdade de moda, eu fazia todos os meus trabalhos em tricô e crochê, pois era imediato para mim transformar qualquer tema em tricô ou crochê. E vi que poderia dar uma leitura contemporânea a algo tão manual e tradicional. Foi aí que nasceu o produto a cara da Doisélles: fios mais grossos, em agulhas mais grossas. Pontos mais abertos, modelagens amplas.

Como moda, história e cultura se mesclam no seu trabalho?

Sempre vi a moda além do corte, textura ou cor da roupa. Moda é comportamento. Comportamento é cultura e cultura, por sua vez, é história. Quando crio uma coleção nem quero saber qual a cartela de cor da tendência, nem que tipo de estrutura vai imperar. Eu crio como reflexo de um somatório de observações na mulher real porque no final das contas, quem vai vestir a minha roupa é essa mulher real.

O que te inspira?

Para criar? Música, poesia, paz de espírito. Para viver: minha mãe, Teresa Guimarães.


Qual a essência, a coisa mais importante e que não pode ser deixada de lado no trabalho da Doisélles?

A crença na transformação. Isso é o que move a Doisélles. Nosso produto é feito por pessoas que estão comprometidas com a mudança da vida delas e é consumida por pessoas que acreditam na mudança da sociedade.

Quais os seus planos e projetos para a Doisélles?

Estou muito feliz porque vendemos para a boutique mais exigente do mundo em termos de design, a l ‘Éclaireur, em Paris. O comprador e proprietário tem uma frase famosa: “só compro o invendável, e vendo”, ou seja, aquilo que tem tanta vanguarda e novidade, que ainda é demais para o público de massa entender. Mas sempre existem as pessoas que vão até a loja dele para procurar o que é a moda de depois de depois de amanhã. E estar na edição de uma arara tão exigente é muito mais do que já sonhei ou planejei.

Como é a sua relação com os presidiários?

Excelente. São ótimos parceiros. É uma parceria onde todo mundo ganha: a empresa, o estado, a sociedade e o preso. É uma solução harmônica para muitos problemas ditos insolucionáveis.


Tem alguma história de algum deles que te marcou?

Todos me marcam. Conheço todos muito bem. Deixo as famílias me procurarem. É mais que a relação de um patrão empregado, é uma parceria de fato. Mas sem dúvida quem mais me emociona, todos os dias, é o Célio Tavares, porque ele já está trabalhando comigo no escritório e nossa relação é de muita confiança.

Qual a importância da Doisélles na vida dessas pessoas?

É uma empresa que olha para eles sem julgamento, sem estigma. Acho que isso deve ter muita importância na recuperação deles como cidadãos. Trabalhando, eles podem se sentir novamente inseridos no mundo, e não mais descartados e isolados no cárcere. Por mais mal que tenham feito, não relevo que eles tenham cometido um delito, um crime muitas vezes gravíssimo. Mas eles estão pagando isso, não pensem que não. E enquanto pagam, estão tendo uma chance de, ao saírem, não voltar ao crime.


Você é uma jovem empreendedora que está mudando a vida de muitas pessoas através do seu trabalho. Qual o papel das jovens mulheres nesse mundo cheio de desafios?

Acho que esse mundo não precisa de grandes revolucionários. Essa ideia é utópica. O que esse mundo precisa é de pequenos revolucionários, pessoas que façam em seu micro universo uma micro revolução, seja ela qual for. Assim poderemos mudar alguma coisa. Estou fazendo a minha parte.

Qual o seu maior sonho?

Que todos os presídios brasileiros sejam campos de trabalho honesto, digno e bem remunerado.


O projeto foi concebido e justificado dentro da Lei de Execução Penal (LEP – Lei nº 7.210/84: art 28) que diz: "O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva". Afinal, este micro-sistema de poder e sujeição, como explica Foucault, também se submete aos elevados ditames constitucionais. E a Constituição da República é suficientemente clara quando inaugura o Título I, referente aos Princípios Fundamentais, enunciando que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, dentre outros (art. 1º, III). Além disso, este generoso e imenso continente chamado Brasil ainda estabelece em sua Lei Maior que constitui seu objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I).

Num primeiro contato com a direção da penitenciária, fomos encorajados a realizar alguns testes com a mão-de-obra masculina para o trabalho. Estranhei a proposta por nunca na vida ter visto um homem fazer tricô e crochê, mas eu estava ali para ver coisas que nunca vi na vida. Tivemos o contato direto com os presos para a seleção inicial. O primeiro contato deles com as agulhas seria algo que beirava o impossível, um desconforto geral entre homem e ferramenta. Mas nada é mais impressionante do que a FORÇA DE VONTADE. Nada é mais forte que o DESEJO de reverter uma condição. Nada é mais bonito do que provar que tudo é possível.

Levei comigo todas as manhãs da primeira semana de treinamento uma frase de Dostoievski, para me munir de toda a paciência e naturalidade para um mergulho dentro de uma oficina com 20 presos, 20 tesouras e 20 pares de agulhas: "um ato de confiança dá paz e serenidade". A revelação do que eles seriam capazes não demorou mais do que um dia. A rapidez com que eles aprenderam os movimentos dos pontos básicos do tricô garantiu que antes do tempo inicialmente previsto já estivessem computando a produção e remindo a pena (cada três dias trabalhados garante um dia de remição).

Hoje a Doisélles tem uma unidade de produção dentro do pavilhão 1 da Penitenciária Professor Ariosvaldo De Campos Pires (Juiz de Fora/MG), onde detentos condenados em regime fechado trabalham com excelência na produção de peças artesanais feitas com técnicas de tecelagem manual: tricô e crochê, que são inspecionadas por rígido controle de qualidade tipo exportação. A felicidade da parceria é legitimada pela certeza de que ambas as partes estão ganhando, crescendo e melhorando todos os aspectos que as envolve.


http://www.doiselles.com.br/

FONTE

http://www.universojatoba.com.br/bem-estar/beleza/raquell-guimaraes-e-a-moda-transformadora-da-doiselles