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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Aplicabilidade da CLT no Trabalho do Preso


Resumo O presente estudo buscou identificar a aplicabilidade da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) no trabalho do preso, sem descuidar das disposições contidas na Lei de Execução Penal (LEP) sob o aspecto laboral e o vínculo de emprego, com embasamento na referida lei. Além de procurar demonstrar que o objetivo do trabalho realizado pelo sentenciado é a reeducação pelo desenvolvimento de uma atividade, com o intuito de atingir a ressocialização do indivíduo, a escolha do tema se justifica pela necessidade de esclarecer as possibilidades da aplicação da CLT de acordo com o regime de cumprimento de pena, ou seja, demonstrar em quais regimes é possível a aplicação da CLT no trabalho do preso. Com a elaboração do presente estudo, espera-se, ainda, destacar que a realização de uma atividade por parte do trabalhador preso, desde que orientada de acordo com a sua aptidão e capacidade, propicia-lhe a valorização enquanto ser humano e a concretização de sua dignidade.
Palavras-Chave: Emprego. Lei de Execução Penal. Preso. Ressocialização. 

Abstract This study sought to identify the applicability of CLT (Consolidation of Labor Laws) in the work of the prisoner, without neglecting the provisions of the Law of Penal Execution (LEP) under the labor aspect and the employment link with basis in the Act. In addition to seeking to demonstrate that the purpose of carried out by sentenced work is the re-education through development of an activity, in order to achieve the individual's rehabilitation, the choice of subject is justified by the need to clarify the CLT of application possibilities in accordance with the regime of serving sentence, show in which regimes can the application of CLT in the work of the prisoner. With the preparation of this study, is expected to also point out that the performance of an activity by the trapped worker, since oriented according to their ability and capacity, provides you the value as a human being and the realization of their dignity. Keywords: Employment. Penal Execution Law. Stuck. Resocialization. 

INTRODUÇÃO

O sistema penal adotou o trabalho como forma repressiva no século XVI. Porém, a morte e a mutilação ainda predominavam como penas principais, de modo que a utilização do trabalho como castigo penal era a exceção. Já, com a intensificação da expansão ultramarina e da atividade econômica de exploração de minérios, as penas corporais cedem lugar às penas nas galerias e nas minas (ALVIM, 1991).

Até o final do século XIX, “a proposição do trabalho penitenciário resumia-se a ângulos externos à proteção do preso trabalhador” (ALVIM, 1991, p. 26), uma vez que o trabalho penitenciário visava, principalmente, endurecer a pena privativa de liberdade. O trabalhador presidiário não era considerado um sujeito de direitos e, além disso, era obrigado a trabalhar em serviços rudes ou nocivos a sua saúde.

No final do século XIX e início do século XX surgiram os direitos sociais, que se referem a uma atuação positiva do Estado no sentido de estabelecer uma sociedade mais justa e igualitária, inclusive no que tange aos direitos trabalhistas. Porém, inicialmente, esses direitos não se aplicaram aos presidiários, possivelmente devido, entre outros fatores, à resistência da sociedade em perceber o presidiário como um cidadão.

Em nosso ordenamento jurídico, o trabalho do presidiário é visto como uma forma de ressocialização, a qual somente pode ocorrer na medida em que forem concedidos ao preso trabalhador direitos semelhantes àqueles conferidos aos demais trabalhadores.

Caso contrário, haveria uma barreira à plena reinserção social do recluso, até mesmo porque a sociedade lhe estaria negando direitos conferidos a todos os demais indivíduos. Nesse sentido, o Código Penal Brasileiro (CPB) de 1940, em seu art.38, dispõe que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade”. Assim, a pena o priva da liberdade, mas não se estende ao trabalho, atividade de perfil correcional que possui características de direito e de dever.

No entanto, o trabalho prisional tem se desenvolvido em nosso país num contexto caracterizado, entre outros aspectos, pelo pagamento irrisório e pelo desrespeito às normas de segurança e higiene do trabalho, de modo que o trabalho acaba tendo, muitas vezes, o caráter de sanção e não de reinserção social.

CLT

Requisitos para configuração do vínculo empregatício A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 2ª. e 3º. norteia os paradigmas firmados em relação à criação de vínculo empregatício. São quatro os requisitos mínimos que o caracterizam, embora alguns doutrinadores, como Cassar (2013), acrescentam, também, a alteridade como requisito para o estabelecimento do vínculo. De acordo com Cassar (2013, p. 242), “para que um trabalhador urbano ou rural seja considerado como empregado, mister que se preencha ao mesmo tempo todos os requisitos” comentados a seguir:

Pessoalidade

A pessoalidade, segundo afirma Cassar (2013, p.243), é requisito essencial para a criação de vínculo. O caráter intransmissível do contrato de trabalho não permite que este seja substituído por vontade do empregado, sendo, dessa forma, impossível se fazer substituir por sua vontade para a execução de suas tarefas, apenas o empregador podendo substituí-lo.

Subordinação

A subordinação é fator primordial para configurar o vínculo de emprego, segundo Cassar (2013, p. 246), a subordinação tem sido muito utilizada como critério diferenciador entre o contrato de emprego e os demais contratos de trabalho.Sendo a subordinação um dever de obediência do empregado para o empregador dentro da conduta profissional, obedecendo ao contrato de trabalho e as leis trabalhistas (CASSAR, 2013).

Existem ainda os trabalhadores autônomos, aos quais não se aplicam o requisito da subordinação, pois são livres para atuarem, já que proprietários de seus próprios negócios. A legislação trabalhista, mais precisamente a CLT, tem como finalidade maior a proteção do trabalhador empregado e não o autônomo.

Onerosidade

A onerosidade é requisito essencial para configurar o vínculo de emprego, pois os serviços prestados gratuitamente não geram o vínculo.Desta forma, pode-se dizer que, se em uma relação de trabalho, o empregador vier pagar o empregado de forma diferente da tradicional (em “espécie”), ainda assim estará sendo atendido o requisito da onerosidade, pois a CLT permite o pagamento dos salários em parcelas “in natura” (artigo 458).

Não eventualidade

Para a criação de vínculo empregatício é necessário, ainda, que haja continuidade, que este trabalho não seja casual, como está referido na CLT, em seu artigo 3º, o qual afirma que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (BRASIL, 1984).

Note-se que o contrato de trabalho é de trato sucessivo, permanente, de duração continuada, este não se encerra em uma única prestação de serviço. Sendo assim, o termo “não eventual”, quando relacionado ao direito do trabalho, no ponto referente ao vínculo de emprego do urbano e rural, tem conotação peculiar, pois significa necessidade permanente da atividade do trabalhador¨ (CASSAR, 2013, p.261).

Alteridade

Este requisito diz respeito ao risco do negócio, que é do empregador.Ele assume todos os riscos da atividade exercida.O artigo 2º da CLT diz que “considera-se empregador a empresa individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” (BRASIL, 1943).

Sendo assim, o empregado não assume nenhum risco da atividade exercida pelo empregador, mas poderá arcar com despesas caso venha a causar dano ao empreendimento por negligência ou imperícia desde que previamente comprovado.

O trabalho do preso

Segundo a Constituição Federal, o trabalho é um direito extensível a todos, inclusive ao condenado, pois, segundo o art. 3º da LEP, “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984).

Assim, como o preso possui o direito de trabalhar, o ordenamento deve prever instrumentos aptos a assegurá-lo, ou seja, os presídios devem assegurar os meios adequados para a sua realização.

O art. 126 da LEP determina que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena, à razão de um dia de pena para três de trabalho.

A LEP, em seu art. 114, inciso I, também condiciona a progressão para o regime aberto ao trabalho ou à comprovação de poder realizá-lo imediatamente. A citada lei, portanto, condiciona a concessão de certos benefícios à prestação de trabalho. A remição da pena só pode ser concedida com a sua efetiva realização, não podendo o condenado alegar a impossibilidade de prestá-lo em face do Estado não fornecer as condições adequadas para tanto. A concessão da remição aos que não realizam atividade laboral os igualaria, de maneira injusta, aos presos que de fato trabalham (CABRAL, SILVA, 2010).

Segundo a Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal (LEP), em seu Capítulo III, art. 28, sobre o trabalho penitenciário, “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.

Desse modo, o trabalho do presidiário tem como objetivo a sua ressocialização. Complementando a lei acima, segue a Lei n. 9.867, de 10 de novembro de 1999, que preconizou a instituição de cooperativas sociais para inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico através do trabalho, visando à promoção da dignidade da pessoa humana e a integração social dos cidadãos.

Essa lei reconhece os egressos de prisões como pessoas que precisam de auxílio para a obtenção de um trabalho que possa garantir o seu sustento e a sua manutenção fora do presídio e, a partir daí, retornar ao convívio social. De igual modo, complementarmente, o art. 24 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, dispõe que é dispensável a licitação na contratação de instituição destinada à recuperação social do preso. Tal dispensa mostra o apoio do Estado aos presos e egressos do sistema prisional no sentido de realização de um trabalho digno que vise à recondução social.

Assim, entende-se que a realização de uma atividade por parte do trabalhador preso, desde que orientada de acordo com a sua aptidão e capacidade, propicia-lhe a sua valorização enquanto ser humano e a concretização de sua dignidade. Além disso, tal atividade possibilita que o detento se prepare para a sua vida futura fora do estabelecimento penitenciário, como cidadão capaz de colaborar com a sociedade da qual foi retirado.

Legislação trabalhista para o preso

A Lei de Execuções Penais dispõe que o trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

O destino da remuneração tem fins específicos, revertidos para a reparação dos danos, a manutenção do sentenciado e o sustento de sua família. O artigo 29 da LEP estabelece que o preso seja remunerado, seguindo tabela prévia, vetando inferioridade de 3/4 do salário mínimo. O parágrafo 1º preconiza que a remuneração será de indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente, a assistência à família, para despesas pessoais e ressarcimento do Estado com a manutenção do condenado. O parágrafo 2º estipula depósito para pecúlio, em poupança, e entregue ao condenado em sua liberdade (CARVALHO, 2014).

Qualquer valor abaixo do salário mínimo seria indevido, impossibilitando atingir as finalidades do artigo 29 da LEP, quais sejam: indenizar os danos causados pelo crime, dar a assistência à própria família, pagar pequenas despesas pessoais e ainda ressarcir o Estado das despesas realizadas com a sua manutenção (CARVALHO, 2014).

Em relação ao vínculo empregatício, matéria deste estudo, a Lei de Execução Penal, em seu § 2º do artigo 28 da LEP, assim versa: Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. § 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene. § 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo dispõe o parágrafo 2º do artigo 28 da LEP, pois o preso não possui a liberdade de escolher para quem pretende trabalhar (CHAVES, 2004).

O contrato de trabalho é de natureza privada, de sorte que a manifestação de vontade do trabalhador em aceitar aquele determinado emprego torna-se elemento necessário. Existe a liberdade de contratar e ser contratado. O vínculo entre empregado e empregador é, em primeiro lugar, uma relação jurídica, porque é, efetivamente, uma relação social das mais importantes, regida pela norma jurídica, ligando dois sujeitos, o empregado e o empregador (NASCIMENTO, 2009).

Embora alguns autores evidenciem que existam as características para que o trabalhador preso seja equiparado ao celetista em todos os aspectos, observa-se que isto é pouco provável devido à situação à qual está submetido o sentenciado.Este vínculo é configurado pelo consentimento das partes, pela vontade dos contratantes, sendo assim, negociável. Não há coação para que se trabalhe para alguém, porque, se assim fosse, estaria irremediavelmente prejudicada a liberdade de trabalho e consagrado o retorno à escravidão (CARVALHO, 2014).

Na constituição do vínculo jurídico, está presente a vontade das partes de modo insubstituível. Quanto ao tomador dos serviços (normalmente empresa), deverá limitar até 10% de vagas de sua capacidade total para trabalhadores na condição de preso, no regime fechado (§ 2º do artigo 36 da LEP).Esse tomador dos serviços do preso não possui imunidade no que tange aos direitos fundamentais do ordenamento jurídico, alicerçados na dignidade da pessoa humana, intentando estar submetido à ordem econômica, pelo fato de a própria Constituição Federal ter elevado o trabalho ao status de vetor interpretativo da ordem econômica e social (POZZOLI; ANTICO, 2011, p.18). O § 3º do artigo 36 da LEP dispõe que, para o trabalho externo em entidade privada, faz-se necessário o consentimento expresso do preso.

Então, a liberdade de contratar o trabalho externo não foi negada ao preso. Se o preso consente, ele manifesta concordância, anuência e permissão, atributos de um contrato, juridicamente falando (CARVALHO, 2014).

A CLT deveria ser aplicada ao trabalho do preso, em caso do regime aberto, face à inegável existência de vínculo empregatício, e não o § 2º do artigo 28 da LEP, que lhe nega a proteção celetista quando labora extramuros do presídio.

A ausência de isonomia de tratamento entre o trabalhador livre e o preso não se justifica ao limitar a proteção ao trabalho. Este é um direito social do qual se deve extrair a máxima efetividade (artigo 6º da CF) e, portanto, conferir à comunidade carcerária, nesse tipo de regime prisional, todos os direitos previstos na CLT e no artigo 7º da Constituição Federal ao trabalhador empregado (CARVALHO, 2014).

REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA

Regime fechado

Esse tipo de cumprimento de pena é aplicável aos condenados à pena de reclusão ou ao preso provisório. A reclusão é mais gravosa que a pena de detenção, pois visa punir condutas mais graves, sendo assim terá que ser cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média, ou seja, será cumprida em uma penitenciária (GONÇALVES, 2012).

O regime fechado é aplicado aos condenados com pena superior a 8 anos e, por força do artigo 34 do Código Penal,será submetido no início do cumprimento da pena ao exame criminológico de classificação com a finalidade de individualizar a execução da pena (GONÇALVES, 2012).

De acordo com o Código Penal, o apenado cumprirá sua pena em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, em uma área de, no mínimo, seis metros quadrados, com salubridade do ambiente pela incidência de ventilação, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana. Ainda tratados pelo Código Penal de forma especial, as mulheres e os condenados com idade superior a 60 anos de idade deverão cumprir suas penas separadamente, recolhidos em estabelecimento próprio e adequados à sua condição pessoal (JESUS, 2010).

Infelizmente, essa não é a realidade do 8 sistema penitenciário atual, com celas superlotadas, com pouca ou nenhuma condição de higiene. O condenado fica sujeito ao trabalho diurno em comum no estabelecimento penal e, no período noturno, fica isoladamente em repouso.

O trabalho diurno é promovido através de parcerias, públicas ou privadas, em que o apenado poderá desenvolver seu trabalho na própria cela, o que seria o caso de trabalhos manuais como, por exemplo, a confecção de bolas e a montagem de prendedores.

Em outro caso, seria o trabalho feito em barracões anexos (dentro do complexo), disponível para trabalhos que demandam uso de maquinário e matéria-prima volumosa, como marcenaria, fábricas de roupas, tapeçaria e outros.

Vale ressaltar que o trabalho deve levar em conta particularidade física e habilidade técnica do condenado, mas ao preso provisório o trabalho não é considerado obrigatório e este poderá trabalhar somente no interior do estabelecimento (JESUS, 2010).

Sendo considerado obrigatório o trabalho ao condenado, por força do artigo 50, inciso VI da Lei 7.210 de 1984, o descumprimento do dever do trabalho será considerado falta grave. Referente às faltas graves, vale salientar que há entendimento, através da súmula 441 do Superior Tribunal de Justiça, de que não interrompe a contagem de tempo para o livramento condicional, ou seja, a falta grave resultará negativamente nos exames criminológicos e nas concessões de outros benefícios, quando analisado o comportamento do indivíduo (NUCCI, 2008).

É admitido nesse regime o trabalho externo em serviços ou obras públicas, realizadas por órgãos da administração direta ou indireta e entidades privadas, sendo que ações deverão ser tomadas a favor da disciplina e para evitar fugas e, desde que o preso possua aptidão, disciplina e responsabilidade, além de ter cumprido no mínimo um sexto da pena (NUCCI, 2008).

O trabalho forçado é vedado, assim, conforme o cumprimento do dispositivo do artigo 36 da Lei 7.210 de 1984, a prestação de trabalho à entidade privada depende previamente de consentimento do preso. É importante evidenciar que os trabalhos realizados pelos presos serão sempre remunerados, sendo-lhes garantidos os benefícios da Previdência Social, conforme dispõe taxativamente o artigo 39 do Código Penal (PINHO, 2012).

Válido destacar que o preso possui vários direitos aplicáveis em qualquer regime de cumprimento, os quais são: alimentação suficiente, vestuário, atribuição de trabalho e sua remuneração, previdência social, constituição de pecúlio, proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação, exercícios das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena (JESUS, 2010).

Os presos possuem, ainda, assistência material à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, proteção contra qualquer forma de sensacionalismo, entrevista pessoal e reservada com o advogado, visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, chamamento nominal, igualdade de tratamento, audiência especial com o diretor do estabelecimento penal, representação e petição a qualquer autoridade em defesa de seu direito, contato com o mundo exterior através de correspondência escrita e atestado de pena a cumprir emitido anualmente (DE JESUS, 2010).

Os direitos da proporcionalidade do tempo para o trabalho, descanso e recreação, as visitas e o contato com o mundo exterior poderão ser restringidos ou suspensos pelo diretor do estabelecimento mediante ato motivado (GONÇALVES, 2012). 

Regime semiaberto

O regime semiaberto é aplicado aos condenados não reincidentes, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e inferior a 8 anos. A pena de detenção ou prisão simples deverá ser cumprida em regime semiaberto ou aberto. Poderá o condenado também ser submetido a exame criminológico, em consonância com o artigo 35 do Código Penal.

O condenado ficará sujeito a trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e, no período noturno, deverá ser recolhido. Ainda nesse sentido, é admissível o trabalho externo, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior, conforme dispõe o artigo 35, parágrafo 2º, do Código Penal (GONÇALVES, 2012). 

Com relação ao trabalho externo, o sentenciado terá o direito de sair diariamente para seu trabalho com posterior retorno no horário acordado, levando em consideração que, neste caso, apesar de estar em liberdade assistida, na maioria das vezes, com a tornozeleira eletrônica.

Estará este diretamente subordinado ao sistema prisional, desta forma tirando do empregador alguns requisitos do vínculo empregatício, por exemplo: a subordinação, neste caso está subordinado à empresa enquanto estiver no ambiente de trabalho, mas poderá, por determinação judicial ou administrativa, ter que se ausentar por motivos estranhos a seu relacionamento de trabalho.

Desta forma, pouco provável o efetivo vínculo empregatício deste trabalhador, que, ora mencionado, presta serviços laboral de forma eventual e com uma subordinação parcial, exemplo: caso em que a empresa exija o trabalho externo do preso, uma entrega ou um deslocamento para a realização de um serviço, neste caso impossível, por estar sendo monitorado, precisaria de uma autorização prévia para o deslocamento, tornando burocrático e 10 inviabilizaria a necessidade urgente da empresa, levando em consideração a demora para a suposta autorização.O preso que cumpre esse regime terá direito, com autorização judicial, à saída temporária do estabelecimento sem vigilância direta, quando requisitados com a finalidade de visita à família, frequência em cursos supletivos para formação acadêmica na comarca do Juízo da Execução e participação em atividades que colaboram para sua reinserção social, por prazo não superior a sete dias, renovável quatro vezes por ano, com prazo mínimo de 45 dias entre uma e outra (REIS, GONÇALVES, 2012a)

A saída temporária deve ser concedida pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá do cumprimento dos seguintes requisitos: comportamento adequado, cumprimento de, no mínimo, um sexto da pena se for primário e de um quarto se reincidente, e, finalmente, que o benefício seja compatível com os objetivos da pena (REIS, GONÇALVES, 2012a).

Em 2010, com a lei 12.258, o legislativo inovou quando estabeleceu que o juiz da execução poderá, ao autorizar a saída temporária, determinar a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado. Nessa hipótese, qualquer desrespeito às regras da monitoração eletrônica implicará a revogação da autorização e a possibilidade de o juiz decretar a regressão de regime (REIS, GONÇALVES, 2012).

É importante lembrar que os presos sob regime de cumprimento fechado e semiaberto poderão obter a chamada permissão de saída mediante escolta nos casos de falecimento do cônjuge, companheira, ascendente, descendente, ou irmão, e em caso de tratamento médico, conforme disposto no artigo 120 da lei 7.210/84. A permissão será concedida por ato motivado pelo diretor do estabelecimento penal onde está sendo cumprida a pena, pelo tempo necessário à finalidade da saída (SHECAIRA; CORREA JUNIOR, 2002).

Em síntese, neste regime, embora menos gravoso para o apenado, devido à falta de estabelecimento próprio, vem sendo utilizado o mesmo sistema do regime fechado para os que já têm direito ao sistema semiaberto, por falta de acomodações adequadas. E onde existem as acomodações de forma desvirtuada e são tomadas medidas de segurança semelhantes às impostas no regime fechado, este desvirtuamento se emprega devido à evasão dos sentenciados nesse regime menos gravoso, visto que, em muitos casos, essa evasão compromete o trabalho da Penitenciária e, de forma Administrativa, os funcionários responsáveis para o cuidado com os sentenciados.

Regime aberto

Será aplicado o regime aberto ao condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 anos, o qual poderá cumpri-la desde o início nesse regime. Regime fundamentado na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado, este deverá trabalhar fora do estabelecimento penal sem vigilância, frequentar cursos ou exercer outras atividades autorizadas, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga (SHECAIRA; CORREA JUNIOR, 2002).

Em regra, deverá cumprir a pena nas casas de albergado, que se destinam aos condenados para cumprimento de pena no regime aberto e para cumprimento das penas de limitações de finais de semana (REIS, GONÇALVES, 2012b).

A localização do prédio deverá ser urbana, com ausência de vigilância e de obstáculos contra a fuga, buscando desenvolver no condenado o senso de responsabilidade e confiança. As casas de albergado deverão conter estrutura para acomodações, bem como locais adequados para cursos e palestras, visando disponibilizar os serviços de fiscalização e orientação para os presos (SHECAIRA; CORREA JUNIOR, 2002).

O artigo 117 da lei 7.210/84 trata de casos excepcionais para que o condenado cumpra sua pena no regime aberto em sua residência particular, os quais sejam: ter mais de 70 anos de idade, ser acometido de doença grave, quando a condenada tiver filho menor ou deficiência física ou mental e, finalmente, se for gestante.

Caso haja descumprimento dos deveres estabelecidos, como por exemplo, não permanecer na residência durante o período noturno ou aos finais de semana, ou destruir a tornozeleira eletrônica, poderá ser revogado o benefício e até poderá ser decretada a regressão de regime, por força do artigo 146 da Lei 7.210/84 (NUCCI, 2008).

O regime aberto é concedido ao condenado que apresenta condições para o trabalho imediato ou possibilidade de fazê-lo, além de indícios de que irá ajustar-se com autodisciplina e senso de responsabilidade ao regime, o que será comprovado através de seus antecedentes ou pelos exames criminológicos, solicitados pelo juiz (NUCCI, 2008).

Também é possível que o juiz estipule condições especiais, diferentes das gerais e obrigatórias, as quais poderão ser: a permanência em local específico para o repouso noturno, horários fixados para o trabalho, não se ausentar da cidade onde reside sem autorização judicial e comparecer a juízo para informar e justificar suas atividades (SHECAIRA; CORREA JUNIOR, 2002).

O artigo 126 e seguintes da lei 7.210/84 preconizam que, para cada 3 dias de trabalho, o condenado reduz 1 dia de sua pena, e a cada 12 horas de estudo, divididas em 3 12 dias, o condenado reduz 1 dia de sua pena, isto é, o tempo remido será computado como pena cumprida (GONÇALVES, 2012).

A redução de pena pode ser obtida pelo benefício da remição, aplicável a todos os regimes. A remição consiste na redução de pena por ato retributivo do Estado, colocando o condenado para trabalhar e estudar (SHECAIRA, CORREA JUNIOR, 2002).

Nos regimes fechado e semiaberto, poderão cumular a remição do estudo e do trabalho, se compatíveis os horários; mas, no regime aberto, o trabalho não será computado para remição por ser obrigação do preso. Sendo assim, somente o estudo será computado. É importante ressaltar que o juiz poderá revogar até um terço do tempo remido em caso de ocorrência de falta grave cometida pelo condenado (GONÇALVES, 2012).

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA CLT AO TRABALHO DO PRESO

No regime fechado, não se admite vínculo empregatício com a CLT, uma vez que o trabalhador é apenado, com vedação expressa de sujeição do seu trabalho, nos termos do artigo 28, § 2º, da LEP, já comentado neste estudo. Portanto, não há livre manifestação de vontade, mas trabalho sujeito às condições estabelecidas pelas regras de execução penal (JESUS, 2010; GONÇALVES, 2012).

Desta forma, todo o trabalho desenvolvido dentro de uma penitenciária está submetido aos cuidados do sistema prisional, tirando os requisitos essenciais do vínculo de emprego.O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (28, § 2º LEP), pois o mesmo sequer tem a liberdade de escolha quanto a quem será o tomador de sua força de trabalho (CHAVES 2004).

A impossibilidade de vínculo empregatício do preso se justifica porque está sujeito ao estabelecimento penal e não à empresa a que está prestando serviço (relação de subordinação). Por se constituir num dever inerente à pena, as partes não manifestam vontade de contratar, como numa relação normal de emprego.

O apenado, dentro do sistema prisional, está submetido à disciplina e às ordens do sistema prisional, tendo que acatar e se submeter ao regime de cumprimento que lhe é imposto (CAPEZ, 2005). No que concerne à subordinação, a empresa não tem autonomia para impor algumas das atribuições inerentes do trabalho, como por exemplo, início e fim da jornada de trabalho, sendo os agentes de segurança responsáveis por determinar sua vigência.

A pessoalidade é um dos requisitos do contrato de trabalho, conforme já visto. Embora o sentenciado esteja pessoalmente cumprindo sua tarefa, o mesmo pode ser substituído por questões internas, sem mesmo a empresa ter conhecimento do motivo ou fato que motivou sua substituição.

Em relação à não eventualidade, requisito que pode ser o mais marcante no que se refere à falta de vínculo com o empregador, levando-se em consideração que a substituição do sentenciado pode se dar a qualquer momento, seja por progressão no regime, problemas internos, falta disciplinar, o empregador não tem domínio sobre a relação de trabalho com o sentenciado, sendo este trabalho algo meramente mecânico e sem vínculo pessoal entre empregador e empregado

Em relação ao regime semiaberto, apesar de haver progressão do regime e uma liberdade presumida, o que significa uma liberdade assistida, na qual ele está submetido a todas as condições impostas pelo sistema penitenciário, o reeducando fica impossibilitado de ser contratado diretamente por uma empresa, sendo a sua contratação possível apenas através de um contrato de intermediação, a exemplo do anexo I deste trabalho, em que a interveniente Funap (Fundação “Prof. Dr. Manuel Pedro Pimentel” de Amparo ao Preso) é quem intermedeia a contratação de sentenciados nos diversos regimes de cumprimento de pena no Estado de São Paulo.

No que concerne ao regime aberto, o entendimento é de que pode se estabelecer o vínculo empregatício do preso com a CLT, por não mais ter o sentenciado que retornar ao presídio diariamente, nem se submeter às ordens impostas pelo sistema penitenciário.

A esse respeito, fica evidente pelo julgado da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT/RS), que assim entendeu: (...) No caso concreto, o § 2º do artigo 288 da Lei 7210/84 deve ser examinado em conjunto com os demais dispositivos do capítulo Do Trabalho da referida Lei.

O caput do mesmo artigo 28 dispõe que o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. Frise-se que não há a expressão preso ou apenado, mas condenado. O § 2º exclui da CLT o trabalho do preso, ao passo que o artigo 29 trata da remuneração do preso, mediante prévia tabela e estabelece o fim do produto da remuneração. Os artigos 31 a 35 tratam do Trabalho Interno, abrangendo o condenado à pena privativa de liberdade (art. 31). Os artigos 36 e 37 disciplinam o Trabalho Externo para os presos em regime fechado.

Nessa senda, resta evidenciado que na exclusão do regime celetista encontram-se aqueles que cumprem pena de restrição de liberdade - caso do autor - na hipótese de trabalho interno, tão somente, e os presos em regime fechado que trabalham externamente. O reclamante, cabe destacar, sofre pena restritiva de liberdade em regime aberto (nos moldes do parágrafo único do artigo 8º da referida Lei), ou seja, não é preso em sentido estrito, mas apenas condenado.

E o trabalho externo em prol de empreendedor privado tem trabalho externo, prestado por condenado em regime aberto. Relação que se admite estabelecida sob os moldes empregatícios, sujeita à tutela da CLT. (processo RO 0074900-03.2006.5.04.0811, Rel. Desa. Ana Luiza HeineckKruse, publicado em 27.08.2009).

Neste regime, o preso consegue cumprir todos os requisitos impostos pela CLT: pessoalidade, não eventualidade, subordinação, onerosidade e a alteridade, esta última tratada em outros termos pela CLT, em seu artigo 3º caput.O trabalho prisional externo realizado pelo condenado é a única modalidade de trabalho prisional que a doutrina e a jurisprudência consideram equivalente ao trabalho desenvolvido pelo homem livre e, portanto, sujeita à proteção do diploma celetista (CABRAL; SILVA, 2010).

Nesse caso, entende a doutrina que não existe a restrição da liberdade que impeça a formação válida do contrato de trabalho e, presentes os elementos constituintes da relação de emprego, essa deve se concretizar (CABRAL; SILVA, 2010).

No período diurno, o condenado que cumpre pena em regime aberto deve trabalhar frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, fora do estabelecimento e sem vigilância, devendo recolher-se durante o período noturno e nos dias de folga, conforme o art. 36, caput e § 1°, do CPB

Essa rotina torna o preso que cumpre pena em regime aberto semelhante ao cidadão livre, tendo sua liberdade parcialmente restringida somente à noite e nos dias de folga, quando deverá ficar na Casa do Albergado, onde não há obstáculos físicos contra a fuga (CARVALHO, 2014).

O trabalho interno não atende aos pressupostos jurídicos para caracterizar o vínculo empregatício. Mesmo assim, alguns direitos mínimos são assegurados ao trabalhador presidiário, pois a LEP regula seu trabalho concedendo-lhe proteções relativas à segurança e à higiene, remuneração mínima de três quartos do salário mínimo, jornada normal de trabalho entre seis e oito horas diárias e folga aos domingos e feriados (CABRAL; SILVA, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, a partir do que foi exposto, que o regime fechado, ainda que ofereça o trabalho interno ou externo, não caracteriza vínculo empregatício com a CLT. O trabalhador é apenado, apresentando-se o trabalho com finalidade educativa e produtiva, não se submetendo ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 28, § 2º, da LEP).

Não obstante a vedação expressa da configuração de vínculo de emprego pela LEP, é importante destacar o fato de que no trabalho do apenado está ausente o requisito da subordinação, elemento essencial à formação da relação de emprego, nos termos da CLT.

No regime semiaberto, também se configura a impossibilidade de vínculo empregatício pelo regime da CLT, uma vez que o preso está sujeito ao estabelecimento penal e não à empresa a que está prestando serviço (ausência de subordinação).

Por se constituir 15 num dever inerente à pena, as partes não manifestam vontade de contratar, como numa relação normal de emprego. Sendo o trabalho interno no presídio ou externo, o deslocamento será feito mediante autorização prévia da vara de execuções penais e do diretor do presídio.

O regime aberto é o único que caracteriza o vínculo empregatício do preso com a CLT, visto que este não mais precisa retornar ao presídio diariamente, nem se submeter às ordens do sistema prisional. Sendo assim, aquele que antes era tão somente um apenado, agora, como egresso, está pronto para o mercado de trabalho e será sujeito e/ou submetido às leis trabalhistas.

A vontade de contratar um sentenciado, por parte do empresário, é diminuta devido às dificuldades impostas pelo sistema prisional e pela própria sociedade.

Questionam-se a segurança do local de trabalho e a discriminação enfrentada pelos companheiros de trabalho, clientes e fornecedores. A sociedade não está preparada para enfrentar essa situação.

O ponto de partida deveria consistir em maiores incentivos para aqueles que geram este tipo de trabalho. Somado a isso deveria ser realizado um trabalho de conscientização da população sobre a importância do trabalho para o sentenciado e seus desdobramentos nas questões sociais e econômicas ao reintegrar um apenado à sociedade.

Nesse contexto é que podemos caminhar para dar ao trabalho a sua real dimensão de valor e de direito social, tal como preconiza nossa Lei Maior nos artigos 1º, IV e 6º. 7 

*****Prof. Esp. João Roberto Cegarra1 Geraldo Leandro do Nascimento*****
Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera- UNIDERP. Professor dos Cursos de Direito e Administração de Empresas na Faculdade EDUVALE de Avaré. Assistente de Juiz - TRT 15ª Região. Graduado em Administração de Empresas pela FACCA. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP. 

Contato:
cegarra@uol.com.br
Graduado do Curso de Direito da Faculdade Eduvale de Avaré.
Contato: geraldoleandro474@gmail.com 

REFERÊNCIAS 

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BARROS, A. M. de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e divergências. 3 ed. São Paulo: LTr, 2008.

BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 767p. 

BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:. Acesso em: 09 mar. 2016.

BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em:. Acesso em: 09 mar. de 2016.

CABRAL, L. R.; SILVA, J. L. O trabalho penitenciário e a ressocialização do preso no Brasil., Belo Horizonte: Revista do CAAP 2010 (1) 2010, publicada originalmente em versão online em junho de 2012, pelo Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da UFMG. Disponível em: 16 . Acesso em 10 ago. de 2016.

CAPEZ, F. Execução penal. 11. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005.

CARVALHO, M. C. de. O dever de trabalhar do preso no Brasil. Mestrado. Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino – ITE, campus de Bauru-SP. 2014. Disponível em: Acesso em 10 agosto 2016.

CASSAR, B. Direito do Trabalho. 12 ed. São Paulo: Método, 2016.

CHAVES, V. A. O trabalho do preso na execução penal. Rio Grande: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VII, n. 18, 2004. Disponível em: . Acesso em 10 agosto 2016.

GONÇALVES, V. E. R. Direito penal parte geral, 18ª edição, São Paulo: Saraiva, 2012. 

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LEAL, J. J. O Princípio Constitucional do Valor Social do Trabalho e a Obrigatoriedade do Trabalho Prisional. Novos Estudos Jurídicos.v. 9, n. 1, Itajaí: 2004. Disponível em:. Acesso em 09 de mar. de 2016.

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NUCCI, G. de S. Código de Processo Penal comentado, 8ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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SÜSSEKIND, A. Direito constitucional do trabalho. 2. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

FONTE


sexta-feira, 29 de setembro de 2017

As três Fases da Dosimetria da Pena


Uma das partes de uma sentença criminal que mais merece atenção é, sem sombra de dúvidas, a dosimetria da pena e as suas três fases.

Vejo que muitos advogados se apegam, em um recurso, ao mérito da sentença, recorrendo apenas para tentar reverter uma condenação, se dedicando mais ao mérito. Mas, na minha visão, os maiores equívocos contidos em uma sentença e, consequentemente, com maior probabilidade de reforma pelo Tribunal, estão na dosimetria da pena.

Muitos juízes, em suas sentenças, por exemplo, levam em consideração a mesma circunstância para aumentar a pena em mais de uma fase da dosimetria; ou deixam de justificar o motivo pelo qual a pena foi aumentada em determinada fase, por exemplo.

Necessário, então, abordar um pouco mais o tema e tentar responder o que vem a ser essa tal de dosimetria da pena?

Par início de conversa, já podemos afirmar que dosimetria é o cálculo feito pelo juiz para definir qual a pena será imposta a uma pessoa em decorrência da prática de um crime.

O Código Penal, na sua parte especial, apenas estabelece a sanção em abstrato a ser aplicada em caso de cometimento do crime, impondo um limite mínimo e um limite máximo sancionatório.

Por exemplo, o crime de roubo simples (contido no artigo 157 do Código Penal) possui uma pena em abstrato de 04 a 10 anos de reclusão, sendo esse o limite do juiz.

Assim, o juiz, na dosimetria da pena, seguindo os parâmetros legais (posteriormente analisados), estabelecerá, dentro do limite determinado pela legislação (no caso do roubo, por exemplo, 04 a 10 anos), qual é a pena a ser aplicada.

De acordo com o nosso Código Penal, em seu artigo 68, a dosimetria será realizada por meio de um sistema trifásico, ou seja, dividida em três partes:
  1. Na 1ª fase, a fixação da pena-base (utilizando-se os critérios do artigo 59 do Código Penal);
  2. Na 2ª fase, o magistrado deve levar em consideração a existências de circunstâncias atenuantes (contidas no artigo 65 do Código Penal) e agravantes (artigos 61 e 62, ambos do Código Penal);
  3. Por fim, na 3ª fase, as eventuais causas de diminuição e de aumento de pena.
Passemos, então, a uma breve análise de cada uma das três fases da dosimetria.

PRIMEIRA FASE

A primeira fase, como dito, é o momento da fixação da pena base, em que o magistrado deve levar em consideração as circunstâncias judiciais contidas no artigo 59 do Código Penal:Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
 I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
 II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
 III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
 IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Segundo NUCCI, em seu Código Penal comentado:

– Culpabilidade (em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem);
– Antecedentes criminais (trata-se de tudo o que existiu ou aconteceu no campo penal, ao agente antes da prática do fato criminoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal. Há quem entenda que somente condenações transitadas em julgado podem ser utilizadas para valorar negativamente esta circunstância);
– Conduta social (é o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc.);
– Personalidade do agente (trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. É a análise voltada para detectar se a personalidade é voltada para o crime);
– Motivos (sãs os precedentes que levam à ação criminosa);
– Circunstâncias do crime (são os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolvendo o delito);
– Consequências (é o mal causado pelo crime, que transcende ao resultado típico);
– Comportamento da vítima (É o modo de agir da vítima que pode levar ao crime).

Assim, na primeira fase da dosimetria, o magistrado, analisando as circunstâncias anteriores, deverá estabelecer a pena-base, que varia, no caso do roubo, por exemplo, entre 04 e 10 anos (podendo ser aumentada de 1/3 à metade, nas hipóteses do roubo majorado).

Imaginemos, então, um crime de roubo, majorado pelo uso de arma de fogo e concurso de pessoas (artigo 157, 2º, incisos I e II, do CP), tendo suas circunstâncias ultrapassado aquelas inerentes ao tipo penal (violência física, terror psicológico intenso, agressão física, ameaças de morte, dentre outros) e o acusado tenha os antecedentes criminais desfavoráveis.

Nesse caso, o juiz não fixará a pena no mínimo legal, haja vista a existência de circunstâncias judiciais negativas.

Desse modo, o magistrado fixaria a pena-base, por exemplo, em 06 (seis) anos (levando-se em consideração o patamar pré estabelecido de 04 a 10 anos).

Ressalte-se que a lei não estabelece um critério para definir qual a proporção entre o aumento da pena e a quantidade de circunstâncias negativadas, ficando tal critério ao arbítrio do magistrado, o qual deverá se atentar pela razoabilidade.

Há quem entenda que o aumento deverá seguir uma ordem proporcional à quantidade de circunstâncias que forem negativadas. Particularmente, eu não concordo, entendendo que isso realmente fica a critério do magistrado.

Por isso, o juiz não pode afirmar serem negativas determinadas circunstâncias sem fundamentar da forma devida os motivos que o levaram a tomar tal atitude.

E esse é o primeiro ponto a ser observado em uma sentença criminal, a ausência de fundamentação para a negativação de determinada circunstância judicial.

Não podemos esquecer do crime de tráfico de drogas, que possui rito próprio, contido na Lei 11.343/06, no qual a dosimetria também deverá levar em consideração o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual estabelece que

O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

SEGUNDA FASE

Fixada a pena-base, superando a primeira fase da dosimetria, entramos na segunda fase, cujo objetivo é analisar as circunstâncias atenuantes e agravantes.

As atenuantes estão descritas no artigo 65 do Código Penal, sendo mais comuns a menoridade penal (menor de 21 anos) e a confissão espontânea.

As agravantes estão nos artigos 61 e 62 do Código Penal e as mais comuns são a reincidência e os crimes cometidos contra crianças ou maiores de 60 anos.

Ainda no exemplo trazido anteriormente, o do crime de roubo majorado, sendo o acusado menor de 21 anos de idade, a pena-base deverá ser atenuada, passando-a, por exemplo, para 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Se existir alguma circunstância agravante, a mesma deve ser aplicada posteriormente ao reconhecimento da atenuante.

Logo, se o crime foi praticado contra maior de 60 anos, agrava-se a pena, passando-a, por exemplo, para 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Pode parecer estranho que a atenuante tenha sido aplicada em seis meses, enquanto a agravante foi aplicada em um ano, mas isso é o que ocorre na prática, em que a agravante possui maior peso que a atenuante.

Deve ser ressaltado que há entendimento que a atenuante da confissão ou qualquer outra, como a menoridade, deve ser compensada com a agravante da reincidência.

Ademais, caso a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, não há possibilidade de reconhecer eventuais circunstâncias atenuantes, evitando a redução da pena abaixo do mínimo legal, consoante dispõe a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça (“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”).

TERCEIRA FASE

Fixada a pena base, sopesadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, é chegada a hora das causas especiais de diminuição ou aumento de pena, para finalizar a dosimetria com a terceira fase.

No caso do exemplo que estamos utilizando, tendo o crime sido cometido com emprego de arma de fogo e por mais de um agente, incidem as causas de aumento estabelecidas no artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, de modo que o juiz deve, fundamentadamente, definir qual o índice de aumento será aplicado, de um terço à metade.

Assim, no caso mencionado, se aplicar a fração mínima de aumento (1/3), a pena passa a ser de 08 (oito) anos e 08 (oito) meses de reclusão.

Um exemplo de causa de diminuição de pena está contido no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, o qual estabelece que a pena será diminuída se preenchidos alguns requisitos.

Outros exemplos de causa de diminuição e de aumento: arts. 14, parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, § 2º; 26, parágrafo único; 28, § 2º; 29, §§ 1º e 2º; 69; 70; 71; 121, §§ 1º e 4º; 129, § 4º; 155, § 1º; 157, § 2º; 158, § 1º; 168, § 1º; 171, § 1º; 226, todos do Código Penal.

CONCLUSÃO

Como mencionei no início do texto, uma dos equívocos mais cometidos pelos magistrados é não fundamentar devidamente a negativação de determinada circunstância judicial para elevar a pena acima do mínimo legal.

Ou, se fundamenta, apenas faz afirmações que são inerentes ao tipo penal.

Sem esquecer, é claro, do bis in iden, isto é, da utilização de um mesmo fato para negativar mais de uma circunstância ou para elevar a pena em mais de uma das fases da dosimetria.

Dessa forma, não é possível, por exemplo, usar o fato do agente ter cometido o crime armado e com mais de uma pessoa para elevar a pena-base (na primeira fase da dosimetria), negativando as circunstâncias do crime e, ao mesmo tempo, na terceira fase, como causa de aumento.

Da mesma forma, fica vedado ao juiz negativar, na primeira fase da dosimetria, os motivos, considerando-os fúteis e também considerar os motivos como agravantes, na segunda fase.

Por fim, também não é possível considerar a mesma condenação criminal transitada em julgado para fins de valorar negativamente os antecedentes, na primeira fase, e de agravante da reincidência, na segunda fase.

Todavia, caso haja mais de uma condenação transitada em julgado, há possibilidade de utilizar uma condenação para fins de fixação da pena-base e outra para a reincidência do réu.

Portanto, você que atua na área criminal, não se esqueça de dar mais atenção à dosimetria da pena e verificar se ela se encontra de acordo com o que determinado pela legislação.

Afinal, não só de absolvição vive o advogado criminal.

FONTE

Direitos Humanos versus Segurança Pública


É comum encontrar argumentos dos dois lados, quando os discursos tornam-se radicais.[1] Muitos defensores dos direitos humanos acusam os órgãos mantenedores da segurança pública de violar esses direitos a pretexto de garantir a ordem pública. Parece até que seria uma escolha: para a sociedade ter segurança, os direitos humanos deveriam ser afastados.

Sob outro foco, vários agentes estatais, encarregados da segurança pública, acusam os defensores dos direitos humanos de interpor barreiras ao seu trabalho e, por isso, a ordem pública seria prejudicada. Argumenta-se: os direitos humanos destinam-se a pessoas honestas; servem aos agentes da lei; marginais não devem ter consagrados os mesmos direitos humanos.[2]

Sobre a intensa polêmica de antagonismo entre os direitos humanos e a segurança pública, confira-se o entendimento de Nilo Batista: “direitos humanos são direitos que toda pessoa humana tem – independente do que seja, tenha, pense ou faça. (...) A ideia principal dos direitos humanos é que toda pessoa tem certos direitos que o Estado não pode tirar nem deixar de conceder: vida, trabalho, remuneração digna, aposentadoria, instrução, liberdade, manifestação de pensamento, livre associação e reunião etc. É claro que se um homem pratica um crime – um homicídio, um roubo, um estupro, um furto – ele deve ser processado e julgado. Os documentos dos direitos humanos também preveem isso. Mas não pode ser espancado. Não pode ser torturado. Não pode ser morto. Sua família não pode ser humilhada. Seus vizinhos não podem ser importunados e constrangidos. Casas de inocentes não podem ser vasculhadas. Se aqueles que matam, assaltam, violentam crianças ou mulheres, furtam não são presos, processados e julgados e condenados, a culpa não é dos direitos humanos. A lei prevê que um acusado que intimida testemunhas, ou que, ficando solto, coloca em perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de terceiros, pode ser preso. Basta a polícia pedir que a Justiça decreta a prisão. Se o acusado for preso em flagrante, em crimes graves, que não têm fiança, só se for primário, de bons antecedentes e inofensivo é que a Justiça pode liberá-lo antes do julgamento. E se for condenado, a lei programa que na penitenciária ele deve ser reeducado e aprender um ofício. Por que nada disso acontece? Por que é tão fácil praticar crimes? Por que tantos crimes são cometidos? Por que muitos daqueles que os praticam não são presos e processados? Por que as penitenciárias são imundas escolas superiores do crime? Culpa dos direitos humanos, culpa dos bandidos ou culpa de instituições que não cumprem com seus deveres? (...) Propensão para o crime tem é o Estado que permite a carência, a miséria, a subnutrição e a doença – em suma, que cria a favela e as condições sub-humanas de vida. (...) Perto da culpa do Estado, a do bandido é pequena. E o bandido, a gente ainda consegue prender, processar, julgar e condenar. E o Estado?”.[3]

Noutros termos, o embate ideológico e político termina por evidenciar que a segurança pública parece ser inimiga dos direitos humanos e também estes não se coadunariam com o primeiro. Porém, esse antagonismo é falso.

Respeitar os direitos humanos, obstando abusos estatais de qualquer ordem, é fundamental. Trabalhar em prol da segurança pública, igualmente, é indispensável.

Se os direitos humanos são individuais, abrangem todos os indivíduos, inclusive os autores de infrações penais. Por outro lado, a segurança pública é um dever da coletividade, que dispõe de órgãos constituídos justamente para preservá-la, dando suporte a todos. Uma ilustração: a rebelião ocorrida em um presídio, com fuga de condenados, coloca em risco a ordem pública; nem por isso, os presos rebeldes ficam automaticamente privados de seus direitos individuais. Nem por isso, para resolver o problema, concede-se ao Estado o direito de matar os que ali estiverem causando a desordem. Cuida-se de assegurar a ordem, sem ferir direitos fundamentais. Pode-se dizer que essa situação é difícil e complexa, o que não se nega, mas compatibiliza-se, na integralidade, com o texto constitucional.

Os direitos humanos somente atrapalham a polícia quando esta for despreparada ou desaparelhada; mal paga ou corrupta. A polícia bem treinada, com armas, aparelhos tecnológicos modernos, cultivando o campo da inteligência contra o crime, bem paga e sem corrupção não sofre absolutamente nenhuma influência dos direitos humanos. Ao contrário, são até úteis para a demonstração da lisura dos trabalhos policiais e permitem aquilatar a idônea prova produzida, fazendo a palavra do policial ter um valor inestimável para a instrução do processo-crime. [4]

É natural haver reclamo contra os direitos humanos se a polícia não tiver preparo, desconhecer regras básicas do Direito, depender de armas e veículos velhos ou quebrados e não lastrear a sua investigação na inteligência, mas na pura sorte ou na pressão exercida contra os suspeitos. Nesses casos, os direitos individuais poderiam atrapalhar a investigação ou a colheita de provas. Noutros termos, possam os direitos humanos obstar o trabalho iníquo do agente policial descompassado com as regras do Estado Democrático de Direito. Possa a sociedade notar esse descompasso e tomar providências, mediante pressão dos organismos privados (como as ONGs), junto aos governantes para que esse estado de coisas seja corrigido. Além da sociedade, cabe ao Ministério Público e também ao Judiciário o papel de fiscal do estrito respeito aos direitos humanos e, se essa observância levar à inviabilidade da segurança pública, deve-se apontar os equívocos à classe política para que os corrijam.

O que é inadmissível, no Estado Democrático de Direito, é acatar a deliberada infringência aos direitos humanos em nome de uma pretensa segurança pública, aceitando os abusos policiais como se fossem indispensáveis para o sossego e a paz alheia. Esse acatamento pode dar-se por meio da omissão da sociedade (ou do incentivo à violência, como ocorre com os casos de linchamento), bem como pela manifesta indiferença dos poderes de Estado. O desrespeito aos direitos humanos torna-se visível quando, ocorrendo um abuso policial, alguns segmentos da sociedade aplaudem, elogiam o trabalho da polícia, manifestam-se favoravelmente em redes sociais e por outros meios de comunicação. Cuida-se de uma forma velada de propagar o crime, em autêntica apologia.

Vez ou outra, infratores são mortos pela polícia, em situação nítida de antagonismo a qualquer excludente de ilicitude ou culpabilidade, mas, em lugar de haver indignação popular, dá-se o efeito inverso. Essa cultura da violência é uma tolice, pois representa, vulgarmente, o que se pode chamar de tiro no próprio pé. Hoje, o cidadão que aplaude a violência abusiva dos agentes policiais pode deles tornar-se vítima. Se tal se der, para quem pretende reclamar? Aos órgãos superiores dos policiais? Ao Ministério Público? Ao Judiciário? Em tese, poderia apresentar o seu inconformismo a qualquer deles, embora pouco seria feito, na exata medida em que a cultura da violência termina por impregnar, também, outros agentes estatais.

Sob outro aspecto, criticar a polícia, o Ministério Público e/ou o Judiciário, quando cumprem o seu dever, em favor da segurança pública, agindo dentro da legalidade, é desconhecer a realidade. Prisões cautelares podem ser necessárias, assim como a aplicação de penas elevadas, dependendo de cada caso concreto.

Embora ainda impere um nível elevado de analfabetismo e pouco grau de instrução na sociedade brasileira, cremos na existência da boa-fé e do bom-senso das pessoas, situações independentes de cultura e sabedoria. O discurso certo, reconhecendo os méritos da polícia e apontando somente os seus erros, bem como privilegiando os direitos humanos como o direito de cada um[5] (e não de poucos) pode sensibilizar o brasileiro a jamais provocar o antagonismo entre segurança pública e direitos individuais.

E esse discurso é um dever primordial dos operadores do Direito, mormente os que atuam na área criminal, abrangendo juízes, membros do Ministério Público, advogados, defensores públicos e autoridades policiais em geral.[6]Pela segurança pública com respeito aos direitos individuais: essa é a meta do Estado Democrático de Direito.

[1] Este artigo tem por base o capítulo 5.2 do nosso livro Direitos humanos vs segurança pública.

[2] “Muitos dos críticos aos direitos humanos não se preocupam em fornecer bases sólidas de justificação de suas posições, avançando apenas com argumentos favoráveis à segurança em face do crescente número da criminalidade violenta. Para eles, a defesa dos direitos humanos se confunde com a ‘proteção de bandidos’, esquecendo-se dos ‘direitos humanos da vítima’. O panfleto procura impressionar à opinião pública que se vê atormentada com os riscos da criminalidade, instigando a difusão da ideia, pois, como anotou Nancy Cardia (1995), quanto maior for o estado de desespero da sociedade, maior será a tendência a tolerar ou aceitar as violações aos direitos humanos” (José Adércio Leite Sampaio, Direitos fundamentais, p. 35-36).

[3] Punidos e mal pagos, p. 158-159.

[4] “Ainda que um policiamento rigoroso, de fato, ajude a coibir a prática de atos criminosos, o que vemos acontecer na prática em nosso país é que, com baixo investimento em treinamento e equipamentos, o maior ‘rigor’ do policiamento descamba muitas vezes para o vale-tudo, o desrespeito às leis, a lógica do olho por olho, dente por dente. Como vimos, essa lógica só reproduz o ciclo de violência, que acaba vitimando pessoas inocentes e gerando um sentimento de insegurança geral. Contra essa violência do Estado, muitas pessoas e setores da sociedade vêm se manifestando e lutando para garantir os direitos daqueles que são presos, contra prisões ilegais, condições inadequadas e degradantes de encarceramento, falta de acesso à justiça e contra a violência de maneira geral, como as Pastorais Carcerárias, os movimentos de Direitos Humanos e Fóruns em Defesa da Vida” (Fernanda E. Matsuda, Mariângela Graciano e Fernanda C. F. Oliveira, Afinal, o que é segurança pública?, p. 46).

[5] “Todo indivíduo da espécie homo sapiens é pessoa e deve ser titular desses direitos. É certo que o direito existe porque há pessoas; esse é o título que justifica ser sujeito de direito” (Rodríguez Puerto e G. Robles, “Algunas precisiones en torno a los derechos humanos”, p. 27, in: José Justo Megías Quirós (coord.), Manual de derechos humanos).”

[6] No Estado Democrático de Direito, bandido bom não é bandido morto, mas bandido preso, dentro das garantias legais.

Guilherme Nucci é desembargador em São Paulo. Livre-docente em Direito Penal, doutor e mestre em Processo Penal. Autor da obra Direitos Humanos Versus Segurança Pública. Leitores da ConJur têm desconto de 15% ao comprar este e outros livros publicados pelo Grupo GEN. Para participar, basta preencher o campo "Cupom de Desconto" com a palavra "CONJUR", ao efetuar a compra. Clique aqui para acessar o site da editora.

FONTE

Revista Consultor Jurídico, 1 de setembro de 2017, 7h45